terça-feira, 6 de abril de 2010

Os Três Marceneiros

Diz-se que há muito, muito tempo, quando os portugueses começavam a viajar para o Brasil com intenção de morar aqui, chegaram 3 mestres marceneiros animados com a nova colônia. Sabiam que por aqui havia muita madeira e pensavam construir móveis para a precisão dos colonos e, ainda, pra vender em Portugal.

Um nobre que aqui já se instalara e queria acomodar em sua casa um bom armário, trouxe para o primeiro carpinteiro um lote de madeira e a sua encomenda.

O mestre, entusiasmado, juntou suas ferramentas e se pôs logo ao trabalho. Cortou as peças com grande dificuldade, pois a madeira era muito pesada, dura como pedra. O pobre carpinteiro suava e resmungava:

-Isso lá é madeira de gente? Que diabo, parece mais uma rocha, não há bom mestre que aguente trabalhar num pinho destes! Que saudade da boa madeira portuguesa, leve e macia, tão fácil de lidar...

Mas o pior ainda ia acontecer: na hora de pregar, não havia prego que aguentasse segurar aquela madeira. Por mais que o marceneiro tentasse, seus pregos entortavam, quebravam, empenavam sem penetrar no duro material. O português xingava, batia com força, xingava e se machucava. E, possesso de raiva, martelava a madeira, sua mais recente inimiga.

Por fim, no auge da indignação, recolheu todas as suas coisas, procurou o freguês e lhe fez um discurso:

-Não faço a sua encomenda, não trabalho mais aqui, embarco no primeiro navio que sair desta terra maldita onde só há madeira imprestável. Coisa alguma dá pra fazer com isso: veja meus pobres pregos, do melhor metal, quebrados, entortados, espanados; veja meu serrote, meus braços, minhas mãos esfoladas de tanto fazer força. Sou um marceneiro, um bom e experiente mestre na minha profissão e não estou aqui pra me acabar, tentando enfiar meus finíssimos pregos nesta porcaria. Quero a boa madeira da minha terrinha, tenra e clara, leve e preciosa. Isto aqui que o senhor me deu só serve pra fazer fogo. Aconselho-o a usar tudo como lenha. E passe bem.

O nobre colono viu o homenzinho se afastar num passo duro e apressado. Estava inconformado: precisava de um bom armário e não tinha outra madeira. Por isso, procurou o segundo mestre marceneiro que, contente, aceitou o trabalho.

Mas logo o novo artesão se deparou com as mesmas dificuldades do outro: tentando pregar as peças já recortadas, martelava com energia e só conseguia entortar seus pregos, esfolar suas mãos. Queria fazer o armário, custasse o que custasse e se afobava, xingando seu antecessor e xingando o material que recebera:

-Era besta quem começou assim este trabalho, pois com material tão ordinário não é possível fazer um armário com tantos recortes, tantas belezas, é preciso simplificar. Nada de gavetas que são pra madeira de qualidade, farei apenas prateleiras; nada de pés ou enfeites, um bom e simples caixote pode ser o melhor modelo de armário nesta terra selvagem. O erro daquele mestre foi querer jogar pérolas aos porcos; pois comigo, será diferente. E não hás de ser tu, pau ruim, que me impedirás de fazer o meu trabalho: entortas meus finos pregos? Usarei pregos enormes, grossos, tão fortes que darão conta da tua resistência; és duro como pedra, não te consigo furar com minhas parcas forças? Usarei uma marreta no lugar de martelo; mas farei de ti um armário, nem que seja à força!

E com muita força e poucos pregos, o português se esfalfava para construir o móvel encomendado: os enormes pregos “marretados” na madeira dura faziam grandes buracos, tiravam lascas, rachavam as peças e, o que é pior, mal seguravam as partes mais pesadas: espanavam-se, escorregavam pelos buracos, qualquer movimento os tirava do lugar. Mas o marceneiro continuava o seu trabalho, satisfeito com seus medíocres sucessos, remendando os desacertos, desculpando-se do mau resultado pela péssima madeira com a qual tinha que trabalhar.
Finalmente, chamou o freguês para lhe entregar a encomenda: era um tosco armário, feioso e cheio de marcas, bambo e desajeitado. Só de transportá-lo, o nobre colono o perdeu, pois se desconjuntou todo e acabou desabando no lugar onde seria colocado.

De nada adiantou o marceneiro resmungar, lamentar a imperícia dos carregadores, apontar os insuperáveis defeitos daquela porcaria de madeira. O freguês o despediu com alguns poucos cobres e, teimoso, foi à procura do terceiro mestre para refazer sua encomenda.

O novo carpinteiro ouviu atentamente as explicações do freguês e suas malfadadas experiências com seus antecessores. Examinou a madeira, passeou a mão pelos recortes do primeiro artesão, arrancou alguns pregos que o segundo conseguira enfiar e olhou os buracos que ficaram; tentou pregar com sua técnica, mas logo viu que tudo acontecia da mesma forma que fora com os outros dois.

Então, sem se afobar, concluiu que para madeira daquele tipo não era possível usar pregos, como com a madeira macia de Portugal. Em vez de xingar a madeira desconhecida e chorar os valores de sua terra, deu tratos à bola para inventar um prego diferente que desse para usar em madeira pesada e dura.
Em vez de penar com o material que lhe fora entregue, pôs-se a modificar os seus pregos até que conseguiu inventar o parafuso. Então, montou um bom e firme armário para o freguês que lhe pagou bem, felicíssimo.

Com seus parafusos, deu conta de muitas outras encomendas: seus belos, fortes e resistentes móveis de jacarandá ficaram famosos na colônia e até no reino de Portugal. Toda gente queria os móveis feitos com aquela madeira preciosa, principalmente armários, pois eram resistentes, não deixavam entrar umidade, mantinham as coisas numa temperatura ideal.

Mas o maior feito deste habilidoso artesão, especialmente valorizado e difundido, foi a invenção do parafuso que, desde então, é utilizado nos mais diferentes materiais para fazer os mais diferentes objetos.

Às vezes fico pensando que nós, educadores e professores, ao enfrentarmos o problema daquelas crianças que não aprendem na escola, estamos às voltas com o mesmo desafio dos marceneiros.

Podemos reagir como o primeiro artesão, desqualificando nossos alunos, desejando aqueles que aprendem com facilidade, queixando das nossas condições de trabalho, desistindo de ensinar.

Podemos reagir como o segundo, desqualificando nossos alunos e teimando em fazer nosso trabalho mesmo à custa de prejudicar sua qualidade ou forçar uma aprendizagem artificial e ineficaz.

Mas, certamente, estaremos mais perto do sucesso se analisarmos cuidadosamente nossas crianças com dificuldade e reavaliarmos nossos instrumentos para que se tornem mais eficientes com elas.

Como o terceiro mestre, não devemos negar as dificuldades que encontramos: a madeira é dura e pesada, nossos pregos entortam e espanam, diferentemente da outra madeira para a qual nossos instrumentos de trabalho foram construídos. Também não devemos desistir e nem nos apressar demais para concluir nossa obra, alegando que a madeira não presta para ser trabalhada.

Devemos buscar novas estratégias, reformular nossos métodos, buscar soluções diferentes para conseguirmos realizar um bom trabalho com esta “madeira” que nos foi confiada.



Magui, psicóloga, com pós-graduação na área da Psicologia Social da Educação

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